domingo, 21 de maio de 2017

COLUNA DO EDITOR-05: A primeira vez a gente nunca esquece !


Amigos e leitores. 

Navegando pela fanpage do blog, a fim de atualizar algumas postagens e responder alguns comentários, realizei, um pequeno e rápido passeio por algumas timelines de outros blogs parceiros. Me deparei, com o que talvez seja um dos maiores clichês, dentro dos círculos que se publicam Umbanda e assuntos afins "A primeira vez agente nunca esquece". Foi então que pensei: Como ainda não escrevi minha própria experiência, como novo visitante em um terreiro ?!? 
Ainda tenho boa memória, sobretudo, neste caso específico, ainda são vívidas as lembranças do evento e as circunstâncias sobre as quais reforçaram seu acontecimento. Me reservo o direito de resguardar as identidades das pessoas envolvidas, do local, e das entidades espirituais que nos assistiram naquela dia...


A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE ! 

Devo começar o relato explicando ao leitor que minha experiência regular como frequentador de terreiro iniciou-se ali por volta do ano de 2003. Entretanto, é necessário esclarecer que até essa época, eu já havia tido contatos esporádicos com médiuns em ação, para ser sincero, desde a infância,  com "entidades" em trabalhos "familiares", pois, tenho na família de minha mãe e também na de meu pai, tias com mediunidade ostensiva de incorporação, e vez ou outra recebiam suas entidades em casa mesmo. No mais, por pertencer à um grupo familiar grande e diverso, contudo, "tradicional", sempre fomos também católicos "não praticantes", mesmo que muitos,  como, por exemplo, minha mãe não admitam ou se quer queiram entender qual o significado de tal condição.  
Voltando ao acontecimento em questão, o ano era 2003, estávamos ali próximos do inverno, em meio ao outono. Nesta época eu ainda cursava o ensino médio, último ano, portanto, completaria dezoito anos em meses. Fase muito turbulenta essa tal de adolescência, muitas confusões, desencontros, dúvidas e sonhos. Não posso dizer que tive a melhor, tampouco a pior das experiências, tive apenas a minha. Recordo que nesta época desentendimentos familiares, o falecimento do meu pai (que ocorrera quatro anos antes), e muita presunção, típica dos adolescentes e supervalorizada pelo meu perfil um tanto quanto autocentrado, me faziam passar instabilidades, desentendimentos e desarranjos. Nunca tive problemas com a marginalidade ou com o uso de drogas ilícitas, somente mesmo desorientações de fundos emocionais e familiares. Vivia também um momento cético quanto a questão espiritual do ser humano, os últimos contatos que houvera tido com espíritos (nas tais sessões familiares) , não foram, naquele momento, segundo minha ótica "convencedores" de alguma verdade, se esforçavam demais para se mostrarem convincentes.

Um primo, com quem à época tinha um contato diário e compartilhávamos o mesmo círculo de amizades, incluindo também outros primos e amigos em comum, já havia me convidado para conhecer um centro, no bairro vizinho, próximo de onde morávamos, que ocorriam trabalhos de mesa branca e Umbanda. Eu sempre refutava, negava o convite e, ainda travava com ele diversas discussões sobre a real necessidade de irmos a um lugar desses para buscar auxilio nas resoluções de problemas, em determinadas ordens. Toda a família deste primo conhecia o local já algum tempo, e ele, sempre que podia, durante nossas conversas me alertava sobre o tal terreiro. Após um desentendimento sério em minha casa, decidi, em certa oportunidade, voltar atrás naquelas passageiras e confusas convicções e acabei aceitando o convite. Ele me disse: "Combinado então, vamos na próxima quarta-feira. Você vai ver, vai gostar". Vale ressaltar que até hoje a casa funciona com trabalhos às quartas feiras. 
Não me lembro com exatidão em que dia combinamos irmos juntos ao local, lembro-me apenas, dos dias que antecederam serem os responsáveis por um misto de sensações que variavam de dúvidas, receios, deboches,  mas sobretudo, uma ansiosa expectativa.
Durante a semana, nada mais restava a um jovem estudante que não trabalhava regularmente, a não ser ir para escola. No dia do evento, me recordo com nítidas imagens, um encontro que tive no ônibus de volta para casa após as aulas, com o irmão do primo com quem eu iria no centro. Portanto outro primo também. Em algum momento de nosso bate papo, ele me disse: " Meu irmão falou que hoje, vocês vão lá né?". Continuou: "Eu queria muito ir também, porém, meu compromisso impede, assim que der vou arrumar um tempo para ir. Lá é bem bacana...". Eu, do alto de minhas certezas e esbanjando minha alto confiança, respondi: "É combinamos sim. Vou lá com ele, ver esse lugar presta mesmo...". Ainda continuamos, durante toda a viagem conversando sobre os trabalhos do centro e outros assuntos. Recortei este momento porque entendo, ser o ponto fundamental no desenrolar dos fatos.

Passado às dezenove horas estávamos no local, meu primo como de habito(risos!), havia se atrasado um pouco e ao chegarmos, percebemos que o trabalho estava aberto. Lugar humilde, pequeno, que não ostentava nenhum luxo a não ser, mais ou menos umas vinte e cinco pessoas que aguardavam para serem atendidas, em sua maioria de pé e até para fora da única porta que a sala de três por quatro metros oferecia. No centro da sala, uma mesa com toalha branca tomava boa parte do espaço, a imagem de São Francisco, um crucifixo, uma grande bíblia entre outros objetos adornavam a "base" de onde se dirigiam os trabalhos. Chegamos a tempo de escutarmos parte da palestra de uma senhora que presidia a mesa dos trabalhos, tratava-se de uma incorporação de um de seus mentores, posteriormente explicado por meu primo. Os atendimentos seriam feitos pela linha de pretos-velhos naquele dia, apesar de uma visão generalista sobre as manifestações, não seria a primeira vez que eu falaria com um. Todos posicionados, as manifestações começaram ocorrer, eram apenas três senhoras que trabalhavam, nós estávamos em pé na direção da porta, que com dificuldades tentávamos manter fechada a pedido das próprias entidades. Havia um revezamento espontâneo entre as pessoas que se dirigiam entre os atendimentos, nada de senhas ou filas por médiuns, apenas bom senso e um pouco de paciência. 
Durante todo o período em que se transcorreram os atendimentos, percebi, o preto-velho incorporado na dirigente da casa, mesmo durante os passes que ministrava, me encarando e vez ou outra soltando aqueles característicos risos de canto de boca, como quem dissesse ou se fizesse entender...(é hoje!). Protestei da maneira mais discreta que pude ao meu guia (primo), sendo imediatamente alertado que aquele não era o momento.

Quando minha vez se anunciou, diria, aliás, se oportunizou, a primeira conquista havia sido completada, consegui, em meio ao "jogo" de revezamento que as pessoas faziam entre os médiuns incorporados, me posicionar para tomar o passe com a senhora mais discreta que havia ali, seu banquinho de madeira o mais baixinho e a localização em um dos cantos do pequeno salão, permitiriam total discrição e até uma certa privacidade. Ao sentar-me, como segue o costume daqueles que pela primeira vez vão à qualquer terreiro, minha reação foi a mudez, então, uma simpática "Vó" me saudou: (meu relato não fornecerá a linguagem usual da linha de pretos-velhos, prefiro, deixar isso a cargo do conhecimento e vivência de cada leitor). 
- Boa noite meu filho! Como vão as coisas? 
Respondi, meio que sem jeito e sem rodeios: - Bem.
- Ah certo! Me dê licença de benzer você. 
Após alguns instantes, coisa de minuto, findando os movimentos com as mãos e acrescentando algumas risadas, ela tornou a falar: 
- Vejo que o rapaz é novo aqui né? Pois bem, gostaria de lhe perguntar uma coisa, por acaso esta casa está ao alcance do seu agrado meu filho? Está gostando do que está vendo e sentindo aqui? 
Minha reação, na verdade foi de completa perplexidade. Como uma senhora que nunca havia visto, tampouco conversado, estava incorporada de uma outra consciência e me fazia perguntas que remetiam toda a desconfiança e descrença que os dias anteriores à minha visita aquela casa haviam povoado meu imaginário e minhas conversas. Me parecia que ela havia escutado quando, no episódio do ônibus eu falara ao outro primo que iria ver como "aquilo" funcionava. Sem esperar qualquer reação ou resposta de minha parte, a preta-velha concluiu:
- Fazemos o seguinte. Já lhe dei um passe, agora, volte e pense se realmente gostou daqui, teremos outros trabalhos, caso retorne para conversarmos mais.
Agradeci, já que foi uma das poucas coisas que consegui fazer, levantei e aguardei em silêncio o encerramento das atividades aquele dia. Os fatos que sucederam esta primeira visita se confundem hoje com minha história de vida. Prefiro, guardá-las em minha memória e compartilhar apenas com aqueles que me acompanham no convívio diário...  

Talvez, alguns leitores possam me confundir e interpretar que essa passagem tente mostrar ou até mesmo transmitir, uma prova sobre alguma coisa, como se os Guias de Umbanda fossem gurus da adivinhação e da manifestação dos desejos humanos. Entendo que essas interpretações não conseguiram identificar o que realmente aconteceu, pois, disso dependia-se que cada leitor vivesse e contextualizasse as sensações e acontecimentos em torno do fato, ou, talvez, não consigam atingir as expectativas de interpretação pela inabilidade deste Editor em transcrever com mínima semelhança a sequência dos acontecidos.
Por isso, chamo atenção para outra perspectiva. Naquele momento nada me convencia não por falta de acreditar em algo, mas, com toda certeza, por me achar mais esperto e capaz, por duvidar de tudo e todos e não permitir nem admitir que as vezes um pouco de humildade e prudência são fundamentais para a construção de uma postura construtiva, sobretudo, quando, emocionalmente, precisamos nos ajustar. Com isto, insisto! Não promovemos os espíritos que nos assistem, como mentores de feitos inacreditáveis que resolvem tudo ao nosso redor. Entendamos que na maioria das vezes, nós mesmos, precisamos apenas de uma palavra ou uma pista para sozinhos encontrarmos os meios que buscamos.  

Oxalá nos abençoe!

O Editor.