quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

QUARESMA E UMBANDA


Em meio a tantos conteúdos publicados neste enorme universo umbandista e espiritualista, chamamos  atenção para a questão da Quaresma, onde, parte de nossa percepção, entende, que, esse tema passou pelos períodos de discussões que definissem suas bases. Neste sentido, estabeleceu-se um "coro" ou "consenso único" alicerçado em bases muitas vezes assentadas sob discursos doutrinários das muitas correntes umbandistas que, atualmente determinam pela abrangência de suas ações, impulsionados pelas ferramentas tecnológicas e pela industria editorial, o consenso geral sobre temas ligados à temática umbandista.   
Não temos intenção de julgar com nossos escritos, apenas chamamos atenção dos leitores para buscarem reflexões acerca do tema que tanto gera "confusão" ou que por muitas vezes culminam em opiniões equivocadas e até certo ponto desinformadas.
Neste momento nada poderia ser mais pertinente do que tratarmos a questão da Quaresma, onde, acontece o período de recolhimento, reflexões, jejuns e penitências dos fiéis de cultura católica, com duração de 40 dias á partir da quarta feira de cinzas.
Aos umbandistas, em muitos casos, surgem dúvidas e discussões, gerando por exemplo as seguintes dúvidas..."devemos nós, umbandistas, também aderir a este período de recolhimento, fechando nossos centros e terreiros ?"
Para explicarmos aquilo que entendemos como o "senso comum" em torno do tema ao qual nos referimos no início do texto, podemos citar a tão famosa advertência de Pai Ronaldo de Linares que, além de jornalista é Sacerdote e Presidente do Santuário Umbanda e da FUGABC, realizador de um trabalho ao longo de anos em prol da Umbanda, sobretudo em sua divulgação. Nas referências de Pai Ronaldo sobre Umbanda e Quaresma, por nossa ótica, faz equivocadas considerações pois generaliza seus entendimentos à toda religião. 

"....Atualmente, interromper os trabalhos do Templo na Quaresma é descabido, é ingenuidade, é desconhecer que os inimigos trabalham nas trevas e que, se não temos o Preto-Velho, o Caboclo ou qualquer entidade que possam nos avisar do mau feito, estaremos desprotegidos, descobertos, ou seja, nas mãos dos inimigos. É preciso URGENTEMENTE esclarecer que a Quaresma não é Afro, é hebraico-européia, e que já não é preciso se esconder de ninguém, pois nossa Constituição nos assegura o direito à liberdade de crença e os padres já não podem mais nos queimar nas fogueiras da inquisição.
Por isso, vamos abrir nossos Templos de Umbanda na Quaresma e cuidar com amor dos nossos Filhos de Fé..."
Babalaô Ronaldo Antonio Linares.
O discurso de Pai Ronaldo é extremamente contextualizado, tendo em vista que não vivemos mais as épocas medievais de perseguição da doutrina católica, porém, atentamos para toda cautela possível na interpretação desta orientação. Caso seus leitores não se atentem a outros fatores importantes e indispensáveis ao entendimento da questão. A Umbanda como Religião não reconhece nenhum poder central que delimite suas doutrinas e liturgias.
Se pensarmos na religião como agente social transformador, em primeiro lugar, ela deve ser a representação cultural  de seus adeptos, ou seja, representará nossa multiculturalidade, então, não pode este ou aquele centro/terreiro, sejam por quais forem seus motivos, paralisam seus trabalhos no período que nosso calendário compreende com a Quaresma Católica? Estariam estigmatizados ao atrasado consciencial ou espiritual,  ignorantes ou desconhecedores da "verdadeira doutrina de Umbanda"?
Talvez seja necessário conhecer os motivos que levam estas casas à praticarem essas "paradas" durante o período, além de conhecer as tradições culturais e doutrinárias aos quais estão submetidas desde suas formações.


Para conhecermos alguns aspectos, torna-se inevitável recorrermos a história de nossa religião, como todos sabemos, é o que nós aqui do Blog supomos, a Umbanda tem em grande parte de seus fundamentos e significados o peso do sincretismo religioso embutido nas suas bases.
Como fizemos em postagens anteriores, nos remetemos sem maiores citações, ao livro "História da Umbanda no Brasil", de Diamantino Trindade, em parte desta leitura encontramos excelente referencial da conjuntura sócio-histórica em que a formação da nova religião estava inserida, nesta abordagem podemos observar informações de grandes transformações sociais, crises e revoluções conceituais povoando o imaginário popular. 
Para que Umbanda florescesse como Religião, deveria atender todos os agentes sociais envolvidos, pois, a ninguém negaria-se auxílio e foi isso que o astral superior preparou na sua construção. Então, adquiria traços de cultura branca européia, negra e indígena, e por conta destas determinantes, após o nascimento da religião, inúmeras correntes umbandistas se formariam de maneira independente. 
Podemos confirmar esses acontecimentos avançando um pouco mais no período histórico e nos remetendo por exemplo ao "1º Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda" em 1941, onde e  discussão na tentativa de uma codificação para a religião reunia umbandistas de diferentes correntes, apresentando teses e explanando sobre suas origens, conceituando conforme suas visões as verdadeiras práticas doutrinárias da religião, ou seja, já neste momento percebemos inúmeras visões diferentes acerca do que era a Umbanda, além da tentativa bem notória de distanciar as práticas da cultura afro-brasileira.
Em todo esse processo não haveria possibilidade de excluirmos os sincretismos com a doutrina católica, inúmeros foram os que deixaram a igreja e ingressaram na seara umbandista, para então seguirem novos caminhos.
Podemos considerar alguns "motivos" á serem elencados, ou quem sabe até fatos que identifiquem as relações com a tradição católica... 
  1. Por orientação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, as primeiras Tendas de Umbanda, tiveram em seus nomes traços marcantes da cultura européia colonizadora, a primeira Tenda que se chamou "Nossa Senhora da Piedade", e outras que foram criadas recebiam também  nomes de santos. Era o sincretismo com a cultura branca, além de servirem também para fugirem da perseguição policial tão presente a época.
  2. Nos altares, imagens de santos católicos formavam os primeiros congás de Umbanda, em uma época que acreditamos na inexistência de fabricantes de imagens especializadas, era também uma forma de sincretizarmos aos populares santos, os Orixás, herdados em sua grande maioria da cultura Nagô-Iorubá dos africanos escravizados.
  3. Fazemos até hoje, e acreditamos que a prática iniciou-se bem antes, as festividades dos Orixás em datas que culminam com o calendário festivo dos santos católicos, como por exemplo, Ogum é festejado em boa parte do país em Abril no dia São Jorge.
Esses são alguns dos pontos que podemos verificar nosso relacionamento com a cultura católica, optamos pelo termo "cultura", pois estão, as datas e costumes arraigadas em nosso cotidiano há muitos séculos.
Então os umbandistas que por acaso percebam em seus terreiros alguma semelhanças com estas informações, poderão achar-se menos umbandistas? Ou poderiam estes, estar praticando uma Umbanda mais católica e desinformada? 
Em nossa visão, NÃO ! Cada terreiro possui histórias, tradições e métodos próprios de condução em seus trabalhos, ou seja, é um produto de sua própria CULTURA
Nossa dica é informe-se! Busque as respostas, alternativas  e sobretudo conheçam todo o universo de possibilidades que a matéria estudada apresenta.

Agradecemos e desejamos a todos uma ótima QUARESMA !