terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Diálogo com Autores#03

Olá amigos e leitores. 

Com imensa satisfação voltamos às atividades do blog, e com gás total!
Nossa coluna Diálogo com Autores, ganha mais um 
convidado de 'peso' para a contribuição que a iniciativa da proposta oferece. Ademir Barbosa Junior, conhecido também como 'Dermes', é umbandista, escritor(com mais de 70 livros publicados e traduzidos em outros países), pesquisador e Pai da Tenda de Umbanda Iansã Matamba e Caboclo Jiboia que tem direção de sua esposa Mãe Karol Souza Barbosa. Mestre em Literatura Brasileira pela USP, onde também se graduou em Letras, é professor, tradutor, revisor, terapeuta holístico. Produziu e colaborou para diversas iniciativas como, curtas-metragens, fóruns, eventos, festas públicas entre outros, sempre congregando a Umbanda, Candomblé, Pastoral Afro (Igreja Católica) e outros segmentos. É Presidente da Associação Brasileira de Escritores Afro-Religiosos(ABEAFRO.).

A Obra - "Teologia de Umbanda e suas dimensões".

Nosso contato ocorreu em virtude das atividades no blog e sobretudo, pela Coluna dos Diálogos. Recebemos, gentilmente, alguns livros para aprofundarmos os conhecimentos na literatura do autor, e para que pudéssemos projetar um trabalho por aqui especificamente, optamos sem qualquer dúvida pela obra "Teologia de Umbanda e suas dimensões", a fim de estabelecermos contatos com uma gama de conceitos e estruturas tão próprios dos autores que se aventuram por esta estrutura de conteúdos dentro do universo de Umbanda. 
O livro, publicado pela Editora Anubis, tem projeto gráfico e editorial que surpreendem positivamente, aliando linguagem simples e capítulos dinâmicos que possibilitam uma leitura agradável e fluida. Ao longo de suas 243 páginas, o autor fundamenta sua idéia teológica entre temas e tópicos que vão desde a formação do vocábulo Umbanda, passando pela história, a relação do sincretismo, símbolos e marcos, estrutura de crenças, Divindades, Orixás, Guias, a esquerda Exú - Exú Mirim e Pombogira, aspectos da hierarquia nos terreiros, liturgia, rituais e elementos de trabalho. As dimensões da prece, da ecologia, do holismo, ecumenismo, ciência e ética na caminhada espiritual, entre tantos outros temas. O autor também retrata boa parte de suas discussões paralelizando ponto análogos da Umbanda com o Candomblé, o que é positivo, num momento que para muitas outras abordagens a tendência é distanciar as práticas umbandistas de qualquer modelo sincrético ou estético das culturas de nação, quando em outra frente, pode parecer negativo se o leitor não conseguir filtrar as pontuações como um convite ao diálogo entre os diferentes segmentos de Umbanda.
Sem dúvidas é um livro que merece ser lido, analisado e discutido, pois imaginamos ser esse o propósito básico de qualquer obra.

DIÁLOGO #03

Blog N.M.U-  Conte-nos um pouco, como começaram suas atividades na seara umbandista. E quais “funções” desenvolve hoje dentro do grupamento que participa?   
Dermes- Quando criança, a primeira vez que vi o mar, foi numa festa de Iemanjá. Uma tia carnal dirigia um terreiro no em Piracicaba, interior paulista. Em minha busca espiritual, passei por muitos lindos caminhos e hoje estou na Umbanda, como um dos dirigentes da T. U. Iansã Matamba e Caboclo Jiboia, que tem como dirigente maior minha esposa, Mãe Karol de Iansã. Sou vice-presidente do Fórum Catarinense de Umbanda e em 2014 presidi o Fórum Europeu de Umbanda, em Leiria, Portugal, além de ter dirigido vários curtas, um deles com participação de Leci Brandão, e ter organizado e produzido uma série de fóruns e projetos, como voluntário. São pequenas contribuições que se somam às de outros tantos irmãos.

Blog N.M.U- Sobre seus livros. Nesta enorme caminhada como escritor, tendo inclusive, publicações traduzidas em outros países, poderia compartilhar mais informações...

a) Quando decidiu escrever?
Dermes- Escrevo desde menino e tenho livros publicados de outras áreas, com premiações, indicações etc. Amo o que faço, ainda que nem sempre tenha o tempo e o sossego necessários.
b) Quais foram suas principais motivações?
Dermes- A paixão pela palavra escrita e, no caso dos livros de que tratamos, também a paixão pela Umbanda. São mais de 70 livros publicados e minha maior alegria é ter escrito 11 livros sobre Orixá Exu e Guardiões e Guardiãs (parte do projeto se empobreceu pela retirada dos estudos iconográficos em cada volume), além deste último, traduzido para vários idiomas, “Compadres e Comadres – Sete Histórias de Exus e Pombogiras” (Sattva Editora), pois a Esquerda é a parte mais detratada de nossa religião.
c) Como se desenvolve o processo de produção? Por quanto tempo pesquisa, ou pesquisou?
Dermes- Depende de cada projeto. Meses ou anos, conforme o projeto.
d) Já psicografou?
Dermes- Sim. “Fala, Zé Pelintra – Palavras de Doutor” e “Mensagens dos Guias de Umbanda”, ambos publicados pela Editora Anúbis.
e) Quais foram as maiores dificuldades enfrentadas no processo? Há espaço para o escritor de Umbanda no meio editorial?
Dermes- O espaço tem sido conquistado, em especial em editoras do segmento ou com ao menos um viés de sua linha editorial. Mas é conquista mesmo, negociação, conversa, argumentação.
f) Acha positivo para o movimento religioso afro-brasileiro e espiritualista que tenhamos mais escritores, pesquisadores, blogueiros e produtores de conteúdos diversos?  Quais conselhos daria, caso fosse procurado, por algum destes, interessados em publicar livros e outros materiais sobre a religião?
Dermes- Costumo dizer que toda publicação, ainda que com temas espinhosos, deve privilegiar o diálogo, por vezes o debate, mas não a polêmica infértil. Com exceção dos livros psicógrafos, intuídos etc., deve-se chegar fontes de pesquisas, reunir bibliografia etc., vale dizer, associar método e disciplina à paixão pela escrita.

Blog N.M.U- Notamos em seu livro “Teologia de Umbanda e suas dimensões”, uma forte influência de aspectos culturais ligados à expressões religiosas afro-brasileiras, como o Candomblé por exemplo, talvez até oriundos de sua formação religiosa. Podemos considerá-lo um representante de alguma das expressões umbandistas mais ligadas aos cultos de nação, como Omolokô ou Almas e Angola?  
Dermes- A maioria de meus livros trata da Umbanda em sua dimensão plural, não representa necessariamente a maneira como tocamos em nossa casa. O intuito é que os leitores reconheçam a Umbanda, a pluralidade, os segmentos umbandistas etc., daí o espaço que se dá a informações que permitam a apresentação do mosaico umbandista da forma mais completa possível.  Em nenhum dos livros esgoto isso. Em nossa casa trabalhamos com a chamada Umbanda de Sete Linhas ou Umbanda Cruzada, mas “cruzada” porque são dois dirigentes de formações umbandistas distintas, o que se verifica, inclusive, no nome da casa, mas não tocamos ou mesclamos Umbanda e Cultos de Nação. Evidentemente influências existem de ambas as partes, como discuto em todos os livros e de forma mais particular num próximo lançamento: “Umbanda tem fundamento, não fundamentalismo”.

Blog N.M.U- Mas levando-se em consideração as diferentes maneiras e  ritos presentes nas manifestações umbandistas, tópico também presente em seu livro, geralmente fruto da formação cultural de seu dirigente e das entidades “Dirigentes”, como você enxerga essa realidade de múltiplas facetas tão própria da Umbanda? É a favor que se padronize os cultos de Umbanda, como já tentaram algumas correntes dentro do movimento?
Dermes- Sempre me repito e consegui incluir em documentos, mesmo de projetos de que não mais participe, a seguinte ideia: Umbanda é união, não unificação. É preciso respeitar a diversidade, o que não significa um vale-tudo. Uma de tantas belezas da Umbanda é a diversidade. Além disso, toda vez que alguém pensa em unificar algo, é para padronizar segundo a sua experiência, e não a de outro. A Espiritualidade  é sábia, dois Caboclos não trabalham da mesma forma, com os mesmos elementos etc.

Blog N.M.U- Ainda no livro (‘Teologia de Umbanda e suas dimensões’), no capítulo referente a dimensão da liturgia, há uma abordagem sobre o ‘corte como sacrifício ritual’, é imperativo destacarmos que os esclarecimentos acerca do tema, mostra uma generalização referente à Umbanda, como não sendo, digamos, o terreno, para essas práticas, o que não inviabiliza de serem praticados em casas com influências dos cultos de nação. Diante de um quadro de desinformação e pré-conceitos estabelecidos por todos a qualquer momento, como vê essa questão tão polêmica dentro do universo de Umbanda? Você já foi criticado por abordar esta temática em livros de Umbanda?
Dermes- Nunca pratiquei o corte e já fui muito criticado por ter sido filho de uma casa de Candomblé em que a Mãe, paulatinamente, substituiu o corte por outros elementos (aliás, como muitas fazem, embora nem todos aceitem essa realidade/vertente). Por não praticar o corte, sinto-me à vontade por defender o direito do irmão que o pratica da forma correta, ecológica, cheia de Axé, alimento e festa para a comunidade.

Blog N.M.U- A dimensão ecológica tratada em sua obra é de importante reflexão para todos ligados ao culto de forças naturais. É urgente repensarmos nossas práticas e rituais a fim de sermos cada vez menos poluidores dos sítios, onde estão as forças dos Orixás. Seu relato traz propostas e ações com relação a este problema, implementadas provavelmente em algum terreiro de Santa Catarina. São elas, a “Compostagem Orgânica” e o “Sistema de Incineração”, onde resíduos de obrigações, despachos e oferendas são encaminhados após separação dos mais nocivos ao tratamento e sistema de ecológico. Diante do relato ficam algumas perguntas: Este tipo de ação promovida pelo terreiro, teve autorização do Guia Dirigente? São todos os casos que podem ser encaminhados ao tratamento ecológico? Pois, é de conhecimento da grande maioria que, determinados  trabalhos são receitados pelos guias e devem ser entregues em matas, praia, despachados em rios e mar, claro, sem a presença de elementos poluidores...
Dermes- Segundo o dirigente da casa houve autorização da Espiritualidade. Conversamos um pouco sobre, li seus estudos sobre, contudo quem melhor pode falar do processo é o próprio autor. Entendo particularmente que se um elemento é absorvido pela terra pode, então, passar pelo processo de compostagem. Da maneira como me tornei dirigente, aprendi que todo trabalho tem um tempo determinado para ser curiado. Após isso, tudo dever ser recolhido, retirado da natureza (a não ser o que é realmente entregue, seja em águas, no solo etc.). Muitos não concordam com essa prática, mas é uma questão de fundamento e o tempo estabelecido para a ação energética nunca foi desrespeitado, com sol ou chuva, nos pontos de força ou não.

Blog N.M.U- O movimento umbandista na atualidade tem sofrido muitas mudanças, fruto das alterações socioculturais a que estamos submetidos. Recentemente, publicamos aqui no blog, através de nosso editor, um texto sobre a “Escolarização da Umbanda”, onde aspectos positivos e negativos da cultura de informação através de cursos “online”, possam possibilitar uma formação umbandista aos simpatizantes e leigos, além de promoverem formação Sacerdotal. Quais suas opiniões sobre o assunto?
Dermes- Respeito, tem seu valor, mas não adiro. Umbanda se aprende em terreiro, com pé no chão. Livro nenhum ou curso substituem isso. Preocupa-me ver médiuns que abandonam seus dirigentes, muitas vezes analfabetos, mas com sabedoria e conhecimento fantásticos, para fazer cursos on-line. Preocupa-me também a moda de todo médium ter de se tornar sacerdote, sem firmeza, sem fundamento seguro e, pior, sem apontamento da Espiritualidade.

Blog N.M.U- Através do blog, desenvolvemos também, um artigo sobre “indicações literárias para umbandistas iniciantes”, onde dividimos as obras por categorias, além de prezarmos, sobretudo, as publicações entendidas como as de “dentro” da religião. Para os leitores que nos acompanham, poderia nos indicar uma lista de 10 (dez) livros fundamentais para conhecermos a História, Doutrina e cultura de Umbanda?
Dermes- Como em meus trabalhos me utilizo de bibliografia e a mesma não para de crescer,não seria justo citar apenas 10 dos autores, alguns, inclusive, amigos pessoais. Em vez disso, sugiro aos leitores não se fecharem apenas num tipo de segmento umbandista e fugirem de qualquer autor que se pretenda ter escrito algo como o Livro Sagrado da Umbanda. Aliás, o Livro Sagrado da Umbanda, sempre me ensinaram, é a natureza.

Blog N.M.U- Há algum livro ou autor que não aconselha a leitura ? Se sim, porquê?
Dermes- Acho que se deve ler tudo, mas com senso crítico e crístico. Contudo, certamente livros que colocam a Direita como “do bem” e a Esquerda como “do mal” prestam um desserviço á religião de Umbanda.

Blog N.M.U- Agradecemos a oportunidade de proporcionar ao blog e aos leitores que nos acompanham, a possibilidade de entendermos mais aspectos que fazem umbandistas, como você, e por todo o país, pesquisarem e escreverem sobre a religião. Neste último momento, oferecemos espaço sem qualquer limitação, para deixar aqui, um registro aos nossos simpáticos e amigos leitores...      
Dermes- Meus irmãos, somos todos aprendizes. Costumo dizer que ninguém leva a Bandeira de Oxalá sozinho, até porque, se ela cobre o mundo, é maior do que ele, e precisa de todos. Não somos proselitistas, então levar a Bandeira de Oxalá, é contribuir para a paz, a fraternidade, o amor. Como num estado laico, religião é também questão de cidadania, precisamos estar atentos e atuantes, e não nos esconder e negar nossa identidade. Saravá! Axé!