Na edição anterior, minha colaboração foi uma tentativa de
estabelecer paralelos entre Umbanda e Filosofia. Certo que particular,
generalista e de modo simplificado, pois, a medida que as conexões entre os
temas existem, também podem ser inúmeros os caminhos para suas demonstrações.
Naquela ocasião o intuito era formular “direções” ou “pistas” de como
desenvolvermos, reflexões e estudos, tendo como base a filosofia para
ferramenta de análise da cultura religiosa umbandista.
Para tanto, entendo, outros temas devem ser explorados. Opto por, Ética
e Moral, na perspectiva de serem conceitos de bases da estruturação que
arregimenta a Umbanda.
Sobre a moral, podemos encontrar:
...“Em um sentido
amplo, sinônimo de ética como teoria dos valores que regem a ação ou conduta
humana, tendo um caráter normativo ou prescritivo. Em um sentido mais estrito,
a moral diz respeito aos costumes, valores e normas de conduta específicos de
uma sociedade ou cultura”...(Dicionário Básico de Filosofia, Marcondes e
Japiassú, 2001.)"...
Quanto a ética, temos:
...“Ciência da moral, ou ciência
da conduta...Só agimos eticamente quando os nossos interesses pessoais não
interferem nos processos desenvolvidos. Isso é fundamental para se pensar as
nossas responsabilidades para com os outros, sejam eles, amigos, membros de
nossa própria comunidade ou pessoas distantes”...(Dicionário de Conceitos
Históricos, Silva e Silva , 2010, apud Singer, 1998.)"...
Os conceitos norteadores da moral são aqueles temporais de
cunho cultural produtos de contextos específicos. Geralmente, derivados dos
dogmas religiosos e passados oralmente por práticas em sociedade pelo mais
velhos, condenando ou aprovando, atos e posicionamentos. Leitores, acreditem,
já foi ato admissível e legítimo queimar pessoas em praça pública, apenas por
apresentarem modos de vida mais esotéricos, ligados à magia ou a feitiçaria.
A Umbanda que se estruturou por uma amálgama de outras culturas e
filosofias, carece de um olhar atento para não ser “julgada” moralmente inadequada
e condenável. Se levarmos em consideração a entidade “Exú”, poderíamos ter
distintos posicionamentos. Pela ótica judaico-cristã, massificada pelo
colonialismo cultural de séculos em nosso país, é condenável nos
relacionarmos com uma entidade/divindade pagã de traços demoníacos, a
medida que pode corromper as virtudes humanas e encaminhar os mortais ao
universo dos pecados. Em contraponto, pelos aspectos Nagôs-Iorubás,
reverenciar, saudar e estabelecer vínculo com Exú é reafirmar conceitos como: Nascimento;
força de criação; equilíbrio; caminhos abertos; proteção; fertilidade,
dualidade e zelo. Com estes exemplos, é nítido que RELATIVIZAR
julgamentos morais antes de condenarmos qualquer prática, inclusive nas
umbandistas, torna-se fundamental. Há bibliografia vasta sobre os
aspectos sócio-antropológicos de Exú, o trabalho que utilizo como referência
até o momento, é a excelente dissertação de mestrado de Oli Santos da Costa -
PUC Goiás: “Exu, o Orixá fálico da mitologia Nagô-Yorubá: Demonização e sua
ressignificação na Umbanda”.
Quanto à Ética, imperativo é percebê-la como permanente
e imutável. Princípio que conduz as ações humanas independentemente dos
valores morais envolvidos, pois, a medida que um Estado democrático e laico
existe - não somente na teoria - qualquer conjunto parcelado da sociedade,
apesar de praticar conceitos morais específicos, deve sempre primar pelos
fundamentos éticos universais estabelecidos.
Na Umbanda a “máxima maior” preconizada como objetivo principal,
pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, foi a CARIDADE. Logo, caridade,
não é abstrata ou subjetiva, é afirmativa e determinante. Por exemplo: não
viver da Umbanda, mas sim para ela; não interferir no livre-arbítrio alheio;
não cobrar por trabalhos espirituais; atender a todos sem distinção de raça,
credo ou opção sexual.
Para que a caridade espiritual ocorra, é necessário muito
autocontrole para não incorremos ao desmonte de privilegiarmos nossos
interesses em detrimento da comunidade ou do bem comum. E quem sabe até dos
nossos próprios egos.
Temo pela ética, nestes tempos onde um moralismo disfarçado de
bons costumes determina um civismo inexistente. Temo pela ética, nestes tempos
em que a moral sobrepõe às práticas honestas de interesse do bem
comum. A começar pela Umbanda...
Como diria o Caboclo Mirim em
suas instruções:
…”É perigoso dar consulta, pois no momento
da consulta você assume uma responsabilidade espiritual séria consigo
mesmo...”
...“A
Umbanda tem fundamento e é coisa séria, para quem é sério ou quer se tornar
sério!”...